Inversão das relações de poder entre a política, televisão, “novas televisões”, e redes sociais digitais
Desde que a televisão foi criada e o seu uso popularizado, a política usou-a como meio de dissuadir as pessoas perante a sua ideologia. Este foi desde sempre um veículo de propaganda, sendo que mesmo na atual democracia é possível reconhecer que a televisão apresenta os mesmos valores do governo regente, fazendo, de forma discreta e indireta, promoção dos seus princípios. Contudo, com o surgimento das novas tecnologias, a televisão perdeu a importância que em tempos detinha, subjugando-se agora às próprias redes socias, tal como a política o faz.
A RTP, primeira emissora televisiva portuguesa, foi constituída em 1955 durante o regime ditatorial denominado de Estado Novo (1933-1974), cujos chefes de Estado foram António Salazar e mais tarde Marcello Caetano. Apesar de ser simultaneamente pública e privada (apenas lhe foi concebido um carácter totalmente público no seguimento da Revolta dos Cravos em 1974), esta era fortemente controlada pelo Estado, sujeitando-se às suas ideologias e vontades. Desta forma, durante a ditadura todos os meios de comunicação eram controlados a partir de um modelo estruturante da política de informação: a censura. Também conhecida por “lápis azul”, a censura “(…) foi um modelo repressivo e normativo essencial e determinante na manutenção [do aparelho] do regime (…).” (Cádima, 1996, p. 1). Desta forma, por preverem que seriam submetidos a este modelo, os produtores de conteúdos antecipavam-se ao realizar uma “autocensura” (tendo por base a “Ordem de Serviço nº1” que mencionava tudo aquilo que seria rasurado). Graças a este mecanismo, a televisão deteve uma enorme importância no papel da propaganda ao modelar os pensamentos e “vendendo” as ideologias deste regime, bem como a imagem do chefe de estado como sendo um “Pai da Nação”.
Apesar de Salazar não reconhecer a
importância que os órgãos de comunicação social possuíam, por ser mais
conservador, Caetano era um grande entusiasta dos media, surgindo
frequentemente em notícias e discursos que realizava, estando estes
direcionados às audiências (o que provocou uma aproximação com as pessoas).
Contundo, em ambos os regimes ditatoriais havia um considerável controlo da
informação, sendo que os meios de comunicação eram “(…) um instrumento,
determinante para a legitimação e a longevidade da ditadura.” (Cádima, 1996, p.
1).
Ainda que controlada, a televisão foi um importante órgão
que impulsionou um processo de mudança social “silencioso”, o que possibilitou
a consciência nos portugueses da realidade em que se inseriam, comparativamente
aos outros países. Ao educar os espectadores a partir de teleteatros e da
telescola, por exemplo, a televisão proporcionava uma certa modificação dos
pontos de vista da audiência, diferentes dos defendidos pelo regime opressor.
No seguimento do derrube da ditadura, em 1974, e instauração
da democracia, deu-se uma reorganização no setor televisivo que fez surgir
emissoras privadas como a SIC (1992) e a TVI (1993). O aparecimento destas
“novas televisões” em Portugal pôs um fim ao monopólio do Estado, visto que estes
canais eram geridos não pelo governo, mas por um proprietário particular com
uma determinada agenda política. Desta forma deu-se um equilíbrio do poder
político, que outrora encontrava-se unicamente gerido pelo Estado, podendo
afirmar que a televisão depende da força que a está a influenciar, apesar de
ter na sua base a cultura nacional e ideologias do regime (mesmo que estas sejam
emissoras privadas). Algo que exemplifica o condicionamento a que as emissoras
se subjugam perante as influencias que lhe são superiores é o facto da TVI, aquando
do seu surgimento, era controlada pela Igreja Católica, tendo muito do seu
conteúdo inicial estes valores. Estes canais trouxeram consigo novas formas de
“fazer” televisão e a diversificação dos conteúdos, que possibilitou a criação
de canais temáticos e consequente aumento das ofertas de emprego nesta área.
Atualmente, graças à popularidade
das redes sociais digitais, a televisão deixou de ter a mesma importância visto
que muitos são os que preferem consultar estes novos órgãos de comunicação, e
como repercussão as próprias televisões regem-se por estes. Desta forma, as
televisões tentam mostrar conteúdos semelhantes para captar a atenção dos
indivíduos, dado que “vivem” das audiências.
Devemos atentar que cada individuo
tem uma centralidade própria: se antigamente a televisão era o objeto central
numa casa, ao qual as pessoas rodeavam, hoje em dia, principalmente os jovens,
têm a sua centralidade no telemóvel/computador. Para além de haver uma
centralidade espacial há ainda de ideias, visto que as redes sociais são
capazes de ser tendenciosas, mediante as ideologias de cada um. Se antes as
notícias trazidas pela televisão eram mais “periféricas”, hoje cada individuo
procura discursos que vão de encontro com as suas opiniões, reforçando-as, sem
se preocuparem em ler o que lhes é contraditório de forma a abrangerem os seus
horizontes.
Algo também preocupante é o aumento
da desinformação. Como a velocidade em que a informação circula é imensa devido
às novas tecnologias, os políticos devem cuidar as suas palavras visto que tudo
o que dizem é posteriormente amplificado pelos diversos meios de comunicação,
muitas vezes sem ser confirmada a veracidade dos factos. Atualmente os
políticos seguem assiduamente as vontades e interesses expressas nas redes
sociais, tendo não só equipas a trabalhar nelas, como grande parte da sua
campanha é realizada neste meio digital. Exemplificando, André Ventura,
presidente do partido Chega! é “(…)
um fenómeno de popularidade, em particular no Facebook, […] utilizado por 86% da população portuguesa” (Palma, Couraceiro,
Narciso, Moreno e Cardoso, 2021).
Culminando, se numa primeira fase a
política impunha uma agenda mediática à televisão, devido à censura imposta
pelo Estado, numa segunda a televisão apresentou um poder que se sobrepunha ao
da política, com o surgimento das “novas televisões” graças à democracia.
Contudo, é necessário ter em conta que os valores do Estado estão por de trás
de qualquer canal televisivo, seja este público ou privado, havendo uma
manipulação indireta para tais ideais, dependendo também do proprietário do
canal. Atualmente as redes socias sobrepõem-se ao poder tanto da televisão como
da própria política, havendo uma inversão das relações de poder nos media.
Desta forma, é possível averiguar que nos dias de hoje são as televisões e os
políticos que “andam a trás” daquilo que está a acontecer no atual sistema
mediático digital.
Anexos:
Fig.1- Emissões experimentais da RTP.
s/a, 04/09/1956
Fig. 2 - As várias emissoras televisivas.
s/a, 23/06/2021
Fig. 3 - Família dos dias de hoje, focada na sua própria individualidade.
s/a, 22/06/2015
Bibliografia:
Cádima, F. R. (1996). A Televisão e a Ditadura (1957-1974).
Rebelo, J. (1993). No primeiro aniversário da
televisão privada em Portugal.
Webgrafia:
Ana Suspiro. (23 de Junho de 2021). Queixa na PGR e abertura de inquérito sobre audiências levam a troca de acusações entre SIC e TVI. Obtido de Observador: https://observador.pt/2021/06/23/procuradoria-geral-da-republica-confirma-inquerito-sobre-alegada-adulteracao-de-audiencias-televisivas/
Editora, P. (s.d.). Televisão Independente (TVI).
Obtido de Infopédia: https://www.infopedia.pt/$televisao-independente-(tvi)
S/a. (13 de março de 2019). Folheto "RTP" em 1956. Obtido de Restos de Coleção: https://restosdecoleccao.blogspot.com/2019/03/folheto-rtp-em-1956.html
Wellington Carvalho. (22 de Junho de 2015). Relacionamento
familiar: A internet aproxima ou distancia as pessoas que estão na nossa
casa? Obtido de BOA VONTADE.COM PORTAL DA ESPIRITUALIDADE ECUMÊNICA:
https://www.boavontade.com/pt/tecnologia/relacionamento-familiar-internet-aproxima-ou-distancia-pessoas-que-estao-na-nossa-casa

Texto de fácil perceção mas muito informativo. Continua com o ótimo trabalho!!
ResponderEliminarMuito obrigada pelo comentário e apoio! Um beijinho!
EliminarTexto muito esclarecedor e de fácil compreenção. Achei a tua escrita muito cativante! Continua o bom trabalho Constança. :)
ResponderEliminarMuito obrigada pelo apoio!
EliminarTexto muito interessante!
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