Pinkwashing: a apropriação do arco-íris pela publicidade
Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Publicidade, do 2º ano da licenciatura Ciências da Comunicação.
RESUMO
O presente trabalho analisa o pinkwashing utilizado por várias empresas, colocando em causa a verdadeira intenção das mesmas ao apoiarem a luta LGBTQIA+. Tendo por base as teses dos filósofos Kant e Stuart Mill, será analisada a dicotomia entre o lucro que as empresas recebem (pink money) ao defenderem esta causa e as suas verdadeiras motivações, ao fazê-lo.
PALAVRAS-CHAVE
Pinkwashing, Rainbow washing, Pink Money, LGBTQIA+, Publicidade, Marcas.
INTRODUÇÃO
Atualmente, as marcas usam estratégias comerciais com o propósito de alcançarem a atenção do seu público e, consecutivamente, vender. Neste âmbito, o pinkwashing é uma realidade que se evidencia cada vez mais, considerando que o número de apoiantes da luta LGBTQIA+ é crescente.
Irei questionar as verdadeiras intenções por detrás das marcas gay friendly, entendendo se essa posição não será na verdade uma mera estratégia para atrair simpatizantes da causa, mesmo que os verdadeiros valores da instituição em questão sejam independentes dela.
DESENVOLVIMENTO
O conceito Pinkwashing (1) foi pela primeira vez usado pela Breast Cancer Action em 1985, com o propósito de criticar as empresas que faziam “marketing de causa”. O termo denunciava as marcas que aparentemente apoiavam a luta contra o cancro da mama, por “vestirem” a fita rosa (símbolo da luta), porém os produtos que vendiam continham elementos cancerígenos.
Contudo Sarah Schulman, ativista e escritora, afirma que o termo surgiu na verdade em 2010, nos Estados Unidos, misturando os conceitos whitewashing (2) e greenwashing (3).
Já Aeyal Gross, professor na Faculdade de Direito Buchmann, afirma que o termo surgiu em Israel, em 2001 – após um protesto contra a repressão dos direitos LGBTQIA+ (4), o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu defendeu que Israel era um país gay-friendly. Netanyahu comprovou-o com a publicação feita na conta de Facebook do Ministério de Defesa de Israel, na qual estão representados dois soldados de mãos dadas, revelando que para o Estado Israelita todos são iguais, independentemente da sua orientação sexual. Destacou ainda que o país protegia os direitos humanos, acusando os povos do Médio Oriente do contrário. Todavia, o primeiro-ministro é apoiante de partidos e organizações que discriminam pessoas LGBTQIA +, promovendo ainda a guerra com a Palestina. Desta forma, é usado o pinkwashing para “mascarar” as violações praticadas contra os direitos humanos, sendo a luta LGBTQIA+ marginalizada, uma vez que o seu propósito é promover uma comunidade que vê os seus direitos reprimidos, e não fomentar ganhos oportunistas nem uma emancipação individual.
Atualmente este termo, também conhecido por rainbow washing, representa a apropriação dos movimentos LGBTQIA+ com a finalidade de impulsionar uma pessoa ou organização. Assim, todos os que apoiarem esta luta terão associado a si uma conotação de tolerância e modernidade. Do ponto de vista da publicidade, as marcas que praticam o pinkwashing poderão ser mais bem sucedidas por conquistarem a aprovação de todos os simpatizantes da comunidade LGBTQIA+.
O pinkwashing evidencia-se em Junho, no Pride Month (“Mês do Orgulho”) (5). No decorrer deste mês as marcas “são estimuladas” a mostrarem-se gay friendly, intensificando-se o merchandising de produtos com as cores do arco-íris (símbolo do movimento LGBTQIA+). No Pride Month é praticado um exaustivo dream washing (6), através da incorporação do arco-íris nos produtos e logotipos de numerosas marcas. Para além dessas adaptações, nesta altura a publicidade usa recorrentemente representações de casais da comunidade e frases de apoio à luta (7).
Assistiu-se a uma mercantilização da bandeira arco-íris, confundindo-se por isso “as linhas entre marketing e ativismo” (Vasconcelos, 2022). Ao se vincularem à causa, as empresas conseguem atrair não só os seus simpatizantes, como o seu dinheiro. Como a comunidade LGBTQIA+ cresce de dia para dia (segundo a análise do Gay Times, irá atingir em 2050, mil milhões de membros), há uma correlação entre o crescimento da comunidade e o seu poder de compra (pink money) (8). O facto de certas marcas associarem-se a esta luta, poderá influenciar os seus integrantes a adquirirem os produtos ou serviços comercializados pelas instituições em questão. Esta associação revela extrema importância uma vez que, tendo em conta a quantidade de anúncios existentes, “o público habituou-se a contemplá-los com negligência” (Jonhson, S, 1755). Quando as marcas mostram pessoas LGBTQIA+ nas suas campanhas publicitárias, atraem membros desta comunidade, por se verem representadas. Desta forma, as empresas lucram com os discriminados, algo recorrente na história (desde cedo os ricos lucravam com os pobres, os exploradores com os explorados).
O lucro e a motivação estão diluídos, tornando-se difícil distinguir a intenção genuína de defender uma causa, da obtenção de rendimentos com a mesma. Apesar da separação entre o que é uma verdadeira intenção ou não, seja difícil, existem certas marcas que claramente praticam pinkwashing.
O caso do Itaú, um banco brasileiro, exemplifica bem isso: um dos gerentes deste banco estava entre os melhores da empresa, tendo ganho num só ano e meio dez prémios pelo seu bom desempenho. Contudo, depois de ter publicado fotos do pedido de casamento ao seu companheiro, o funcionário foi despedido por “falta de postura”. No entanto, este banco (que manifestou um comportamento alegadamente homofóbico), afirma ser gay friendly, não só por colaborar com o Instituto Diversidade, como também por apoiar publicamente o aumento de oportunidades de emprego para pessoas da comunidade.
Também a marca Walmart, uma rede de supermercados, foi acusada de praticar pinkwashing. Anualmente, durante o Pride Month, o Walmart lança a campanha Pride & Joy. Contudo, em 2019, a empresa concedeu um valor superior a 30.000 dólares aos legisladores do Arkansas, que autorizaram a execução de projetos de lei transfóbicos.
Até o Município do Porto foi acusado deste rainbow washing. A Câmara Municipal do Porto (CMP) tem-se mostrado apoiante dos direitos LGBTQIA +, por organizar anualmente a Marcha do Orgulho LGBT +, no Dia Internacional Contra a Homofobia. Ademais, em 2021, aprovou a elaboração de um plano defensor dos direitos desta comunidade. Porém, nesse mesmo ano, a CMP recusou-se a hastear a bandeira arco-íris na altura do Pride Month, mesmo tendo sido confrontada com inúmeros pedidos. O presidente Rui Moreira defendeu-se dizendo que o Município apenas hasteava as bandeiras protocolares (2021).
Também durante o mês de junho de 2021, as marcas Mercedes e BMW alteraram o seu logotipo para as cores da bandeira da luta. Contudo apenas o fizeram em países onde a liberdade de género e sexual é aceite, deixando de parte países como a Rússia, Arábia Saudita e outros do Médio Oriente. Como tal, muitos julgaram que esta mudança foi apenas para atrair a atenção dos clientes de certas zonas do mundo – caso as marcas realmente defendessem esses valores, teriam alterado o seu logotipo por toda a parte.
Igualmente, a Coca-Cola foi alvo de crítica neste âmbito quando, ao permitir que o público decidissse o que teria escrito no rótulo do seu referigerante (tendo este como pano de fundo as cores da bandeira LGBTQIA+), várias palavras estavam censuradas, das quais destaco a “trangénero”, “orgulho gay”, “LGBT”, “lésbica” e “bissexual”. É de salientar ainda que o algoritmo permitia vários termos ofensivos, tal como “nazi”.
Pelo facto de várias marcas se associarem à causa exclusivamente pelo lucro que esta poderá trazer-lhes, a luta LGBTQIA+ tem vindo a ser desrespeitada e ridicularizada por muitos. É exemplo disso a produção de vários memes (9) e outros conteúdos de cariz depreciativo.
A compra de produtos LGBTQIA+, aparentemente inofensiva, poderá causar a monetização de uma luta de caráter puro e que nada tem que ver com o pinkwashing, logo pink money.
Neste contexto, surgem dúvidas sobre quais as verdadeiras intenções das marcas por detrás de uma campanha publicitária gay friendly. Será que as empresas importam-se realmente com os valores desta luta ou simplesmente a “apoiam” para converter a sua militância na angariação de clientes? Será que o pinkwashing valoriza esta comunidade, por esta aparentemente ganhar o apoio de importantes empresas, ou menospreza-a, pelas intenções lucrativas que estão por detrás?
Podemos abordar este fenômeno no âmbito da dicotomia entre ética e utilitarismo, convocando os autores Stuart Mill e Kant para a explicar.
Kant defende uma moral deontológica que assenta em agir em conformidade com os deveres e valores que são, à partida, universais. Segundo o autor, certa ação só será moralmente válida consoante a intenção de quem a pratica – devemos, segundo Kant, agir por dever. Transpondo a sua tese para o tema aqui debatido, as empresas que dizem apoiar a luta LGBTQIA+, mas que apenas o fazem para a obtenção de lucro, estão na verdade a menosprezá-la, uma vez que as suas intenções são impostoras.
A moral de Stuart Mill diverge da kantiana por assentar numa perspetiva utilitarista. Para o filósofo pouco importam as intenções de quem pratica certa ação, uma vez que esta só é moralmente correta se as consequências que dela resultarem forem vantajosas. Assim, desde que o pinkwashing promova a comunidade LGBTQIA +, entende-se que esta prática é válida.
De maneira a evitar possíveis escândalos, os profissionais de publicidade devem ter cuidado ao desenvolver campanhas publicitárias que abordem esta temática, de forma a não serem mal interpretados e acusados de praticarem pinkwashing.
CONCLUSÃO
Culminando, entender as verdadeiras motivações de certa marca, aquando as suas manifestações de apoio à luta LGBTQIA+, é um assunto extremamente complexo. É certo que muitas empresas dão uso ao rainbow washing com a finalidade de lucrarem, sendo isso comprovado com a contrariedade que as suas ações representam perante o que afirmam ser os seus princípios. Contudo não é possível aplicar esta realidade a todos os contextos comerciais, por falta de dados e estudos sobre o tema.
Todo este trabalho reflete a forma como várias marcas usam as estratégias que estiverem ao seu alcance para melhorar a sua imagem junto do seu alvo de marketing. William Bernbach, um antigo diretor criativo americano, defende que qualquer insight sobre a natureza humana é poderoso, contudo as motivações que estão por detrás de certa campanha publicitária são muitas vezes desconhecidas.
Por último, ficam as questões: será que todas as marcas que dizem apoiar a comunidade, interessam-se exclusivamente pela comercialização da bandeira arco-íris? Poderá o pinkwashing ser benéfico para a luta LGBTQIA+ ou, pelo contrário, somente a desconsidera?
BIBLIOGRAFIA
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Artigo excelente!
ResponderEliminarEscrita clara e envolvente, muitos parabéns